12/03 - A infância: história e concepções

GALVÃO, Andréa Studart Corrêa. Crianças, Infâncias e Educação. In: Educação Moral e Qualidade na Educação Infantil: desafios ao professor. Dissertação de Mestrado. Adapt. Brasília, UNB: 2005. p. 37-51.
Andréa Studart Corrêa Galvão é coordenadora e professora do curso de Pedagogia da Faculdade Paulista – UNIP de Brasília; coordenadora do curso de Especialização em Educação Infantil da Faculdade Gama Filho em Brasília.
A autora discorre sobre o tema infância e sua ligação com a educação baseando-se em citações de autores de autoridade à cerca do conceito de criança e infância ao longo dos tempos. O texto está dividido em 3 subtópicos: a invenção da infância; as diferentes faces da criança e da infância igualadas num vir-a-ser; construindo um outro olhar- o encontro com a infância na alteridade. Primeiramente o texto afirma que os conceitos “criança” e “infância” não são sinônimos e são construídos socialmente. A aproximação deles se dá através do sujeito (a criança), se diferenciam de acordo com as vivências, contextos e com a duração - a infância é um período mais longo. Complementam-se na complexidade das questões e na necessidade do entendimento das suas fases e mudanças provocadas pelo meio social e suas exigências.
Ao citar Freitas e Kullmann Jr (2002), a autora ilustra como a história da infância e da criança se faz do ponto de vista dos adultos. Esses autores sugerem dois caminhos como opção. A primeira seria uma perspectiva unilateral- os adultos falando sobre as crianças- “um olhar de fora”- A segunda seria por meio do diálogo com a criança, ouvindo sua voz e dando sentido a essa fala estabelecendo uma relação de alteridade, numa dimensão ética.
Não importa o caminho que se escolha, as conseqüências para a criança, serão a base para a organização das instituições de educação infantil. Essa relação entre criança, infância e educação permanece imutável. São transformadas à medida que novos elementos culturais surgem, novas necessidades e a realidade muda. Por isso, não há como entender a criança de hoje sem levar em consideração o passado, as raízes que moldam as idéias e concepções sobre o tema, como afirma Gadotti (2000), que para se entender o presente e abrir possibilidades para o futuro é preciso visitar o passado. Visitando o passado, fica claro que o sentimento de Infância não é algo natural, ele foi construído socialmente.
No primeiro subtópico a autora cita um dos pioneiros a estudar a história da infância. Segundo Aries (1981), por meio da arte e da iconografia, é possível perceber a evolução da história desse sentimento, do início de um olhar para criança como ser que necessita de cuidado, atenção,  diferenciados por parte dos adultos. Esse pesquisador aponta que na Idade Média esse sentimento de infância era inexistente, não significava ausência de afeto pelas crianças, o que não existia era a consciência da particularidade infantil. Nos séculos XVI e XVII surgem sentimentos de paparicação. Os adultos enxergavam nas crianças ingenuidade e pureza. Até os 5 ou 7 anos elas eram vistas como bibelôs, a infância era curta, pois passados esses anos, a criança se mistura aos adultos e participava da vida comum.
No final do século XVII ocorreu uma mudança: os bibelôs foram alvos dos moralistas que surgiram e viam com maus olhos tamanha paparicação. A preocupação deveria ser em disciplinar, usar a razão, moralizar os pequenos. Homens de lei e religiosos defendiam uma formação moral do ser imaturo, inocente e frágil.
A criança passou a ser vista como incompleta nesse contexto, surge a escola para as crianças  no século xx, para atender às demandas e anseios da sociedade em busca de formação moral. A criança transformou-se em aluno. A escola seria um lugar que a protegeria do ambiente perigoso para a sua pureza – o convívio social. Os uniformes a tornava igual e como aluno (sem luz), deveria se sujeitar a escola (lugar do ócio) a homogeneização da sua natureza e domesticação do seu corpo e mente.
Postman (2002) acrescenta aos estudos sobre o tema ao indicar que a infância conhecida atualmente está desaparecendo. Afirma que a história da infância passou por três grandes momentos:
1º- invenção da infância como advento da tipografia;
2º- o auge no século XIX, quando a criança é considerada essencial à família e à sociedade;
3º- desaparecimento da infância, com o surgimento do telégrafo.
Para ele a tipografia criou um mundo simbólico que exigiu uma nova concepção de idade adulta. O mundo letrado exigiu novas habilidades. A infância surgiu nesse contexto de necessidade de formar leitores e escritores.
A autora ainda cita Postman para afirmar que o sentimento de vergonha foi concomitante ao sentimento da tipografia. A sociedade adulta deveria preservar a inocência da criança.
A psicologia do desenvolvimento infantil desempenhou um papel dominante e normativo. Como afirmam Dalhberg, Mos Pence (2003).
A universalização da criança e a hierarquização de estágios de desenvolvimento foram disseminadas no mundo todo e muitas concepções de infância sugiram e se fazem presentes até a atualidade.
No segundo subtópico, a autora discorre sobre as implicações das concepções da modernidade sobre infância. Elas traçaram o caminho a ser percorrido pela criança. Por meio da educação. Para Dahlberg, Mos e Pence (2003), a preocupação não é além der às necessidades latentes da primeira infância, mas sim evitar problemas futuros. A dimensão ética e preterida em função da técnica, pois a criança é vista como uma “tabula rasa”, com espaço a ser preenchido. Cultura, preparação para o mercado de trabalho, consumidores em potencial.
Os autores criticam não a assistência, mas sim a forma e finalidade desse atendimento. Carente de ética, reduz a criança a uma “matéria prima”. As visões naturalistas, sob o ponto de vista do adulto (olhar de fora) sofrem críticas de Boto (2002).
Kramer (1995) é citado para ilustrar a concepção de infância que considera o contexto e a cultura. Para ela, não existe “a criança”, mas sim indivíduos pequenos que são afetados pela situação da “classe social”. Larrosa e Lara (1998) sugerem um rompimento com paradigmas e com isso uma aproximação com o “outro”.
No terceiro subtópico, a autora suscita a necessidade de um ouro olhar, um olhar na alteridade, com disposição de escutar, sem saberes prontos a respeito do “outro”. Como afirma Larrosa (1998), reconhecer a infância na sua humanidade, como outro diferente do eu, com seu comportamento, sua cultura, sua linguagem, seu modo de perceber e analisar o mundo (pág. 149). Tudo isso no campo da ética, vista como um tesouro oculto por jamais ser esgotável. A alteridade se faz necessária, pois, como afirma Oliveira (2001), a compreensão das crianças não se faz mais pelo olhar impositivo de máscaras esculpidas pelos adultos, mas sim pelo respeito.
A pedagogia deve se adequar a essa nova relação, possibilitar aos envolvidos com a Educação Infantil, uma mudança de atitude.
O texto, de forma clara e contundente, explicita a evolução da história da criança e infância, nos alerta para as concepções que ainda estão vigentes no imaginário social e que ignoram a complexidade do indivíduo.
O perigo da padronização, da visão da falta, do ir a ser, leva a programas educacionais vazios de compromisso com a ética. Pois olham a criança como um ser “menor”.
Devemos nos esforçar a refletir e mudar nossas práticas baseadas num estudo consciente dessas concepções e em busca de uma aproximação honesta com as crianças, sem hesitações, sem julgamentos, mas sim na postura humilde de que elas “o outro”, tem muito a nos dizer do que precisamos escutar.
Esse texto interessa a todos que estão envolvidos na Educação Infantil, que sejam profissionais da educação, gestores, legisladores e governadores.